segunda-feira, maio 23, 2011

"Pormenores"

Transito no vão estreito que existe entre o artista e o arteiro, lugar que costumo chamar "Estreito dos Mentirosos". Brinco nessa fissura que se abriu, e vou de um lado para o outro como um bêbado que tenta andar sobre a faixa.


Despenco no abismo que há entre o gênio e o idiota, "o Penhasco da Mediocridade". De lá, por vezes vejo o mundo do alto com a palma sobre a testa, por outras me esborracho no chão da vulgaridade, me choco contra a realidade que me choca. É sobre ela que falo, mas não me sinto sobre ela.

Não mais.

Um operário que deixa a fábrica para estudar e falar pelos operários deixa de ser um operário e já não pode falar por eles, mas quem nunca foi um operário nem deveria tocar no assunto.

Estou flutuando sobre o nada... Pairo rente ao chão, flutuo entre homens e mulheres, que não me percebem. Mas no fundo sabem que sempre estive ali, mesmo que não se pudessem levar a expressão ao pé da letra.

Estou inebriado pelas informações que emitem. Tento absorver apenas o necessário, depuro a palavra, destilo ao meu paladar. Gosto de coisas fortes e contundentes, não me apego aos pormenores, vou montando as estruturas num plano concreto,

No entanto os pormenores somos nós.

quinta-feira, maio 05, 2011

A CIDADE E O TEMPO

Na cidade não. Não é possível na cidade.
Não posso aceitar que alguém da cidade tenha a solução.
Alguém da cidade pensa como alguém da cidade, a cidade é o problema.
Na cidade sujeitos viram objetos e objetos viram sujeitos,
criam coisas magníficas mas em vez de usá-las em seu favor, viram escravos delas.
Não se produz para viver, mas se vive para produzir.
Está tudo ao contrário por la.
Quem está bem na cidade? São poucos, A maioria padece no vai-e-vem frenético, na hora absurda da cidade.
Me refiro a noção de tempo, fala-se muito em ganhá-lo ou perdê-lo na cidade.
Este produto: o tempo, é um artigo de luxo na cidade, está sempre em falta. Na lei da oferta e da procura sabemos: o que está escasso inflaciona.
Sabes aquela minoria que está bem na cidade?
Só está bem porque pode artificializar tudo aquilo que a natureza oferece gratuitamente no tempo certo.
Estes, além de tudo, tem costumes estranhos.
Por possuírem o tempo, diria, por ter o monopólio do tempo, ignoram-o completamente.
Querem sentir frio no verão e calor no inverno, querem parecer velhos quando novos e novos quando velhos, gastam inclusive grandes somas para conseguir isso.
O pior é que para conseguirem todo esse tempo, estes, usurpam todo o tempo da maioria. Empregam-nos, governam-os .
Os que empregam dizem que lhe dão o sustento, que o dinheiro vale mais do que tempo.
Os políticos dizem representar aqueles que não tem tempo.
Mas como alguém que tem tempo pode fazer bem àqueles que não tem tempo? Se roubam-lhes o que tem de mais precioso?
É absurdo como na cidade se fala muito em aproveitar o tempo livre. Mas o que fazem com o tempo além de estarem presos?
Pois suponho que o contrário de tempo-livre seria tempo-preso. As pessoas da cidade estão sempre com tempo-preso. Estão a erguer impérios alheios e a realizar os sonhos dos outros dentro de fábricas, lojas, estacionamentos, bordéis...
Tudo para fazer mais bem, aos que estão bem na cidade.
Gastam todo o seu tempo, encarceram-no, para da-lo àqueles que não sabem o que fazer com ele.
É por essas e por outras que te afirmo filho: não pode ser alguém da cidade.