quarta-feira, outubro 05, 2011

O cão

Passo naquela rua todos os dias, e sempre eles estão lá
três cães que me fazem festa sempre que passo naquela rua
é uma rua vazia: terrenos baldios, mendigos ocupando
e uma bela e novíssima concessionária de um azul que da vontade de ter carro
passo ali pois é caminho do meu trabalho
um dia senti falta de um dos cães,
passaram 5 dias e um cheiro forte emanava dos fundos da concessionária
era o cão que estava cravado na grade
fiquei imaginando quem seria o homem capaz de fazer aquilo
especulação idiota, pois são tantos...
o fato é que ninguém da concessionária atinou tirar o animal dali
e eu fui avisar, falei com um rapaz todo engomado aspirante a yuppie
que me disse: pois é, ja me avisaram...
pensei: já avisaram...
me veio toda aquela coisa de ação direta, Anarquia, molotovs explodindo carros e yuppies também
mas eu precisava almoçar, fui escravo da sobre-coxa lassa que me aguardava em casa e abandonei Bakunin

e o cheiro está cada vez pior. Acompanho dia após dia o processo de putrefação do cão
cada dia menor e com formas mais...mais...cubistas. Seu focinho está apenas com os dentes de cima
e se vê um belo verme que lhe percorre o que resta das vísceras
Há uma grande festa acontecendo ali. É no corpo de um cão que a alteridade se torna concreta
irônico, cães sempre são melhores...talvez por isso que Diógenes de Sínope era chamado de "o cão" pois era o melhor.
perdi a esperança de alguém o tirar de lá...
eu o tiraria se fosse por ele.
o fato é que por causa desse cão penso na morte toda a manhã
mas isso não é mal. O pior é pensar na morte à noite, sempre foi.
O que mais pode sugerir a morte como pensamento do que ela mesma?
Tenho esperança agora de ver como acontece o processo de fossilização...
meu agnosticismo me permite não duvidar de nada...
E me permite ser um covarde excêntrico
E me permite ser evasivo quando perco a razão
Ó sim posso ser imparcial. Que piada.
Ser imparcial é tentar ficar em cima de um muro fictício.