sexta-feira, novembro 26, 2010

Com passos, compassos...(Rap)

Eu ando com passos
Mas são compassos que me movem
Assim como os abraços sinfonias me comovem
Escuto melodias e discursos se dissolvem 
A mente esvazia e problemas se resolvem 
Mas nem todos absorvem esse tipo de energia 
A arte é um prazer de uma minoria 
Não são todos que contemplam a lua vadia 
Nem todos têm paciência para a poesia 
Alguns são conduzidos pela orquestra do mercado 
Onde o que importa são papéis empilhados dentro de um cofre lacrado. 
Quem me dera
Poder acreditar em todo mundo da galera
Em cada bípede sem penas que divide essa esfera azulada 
Conectada 
por internet 
sem limite
 satélite
LCD 
Eliminando qualquer chance da gente se ver 
E sem contato não há nada 
Sem tato não há nada 
Sentado na privada
eu reflito sobre cada 
Palavra escutada ao longo da minha jornada 
Fernando Pessoa já me disse com clareza 
Que a única certeza é a certeza da incerteza 
E a certeza da incerteza também me fascina 
É como abrir uma cortina
da janela 
e através dela 
ver que são várias veredas cheias de neblina 
Pra escolher sua sina 
Umas que te levam à madrugadas nas esquinas  
Inalando substâncias que liberam dopamina 
Que te deixam pra cima
Sempre no clima 
Desfilando no salão envolto de serpentina 
Mas quando o de vez em quando começa a virar rotina 
Inicia-se o processo que escurece a tua retina 
Mas são ondas sonoras que direcionam a maré 
Nelas meu espírito pega jacaré

terça-feira, novembro 23, 2010

Pré-conceito

Sábado à tarde eu estava com ela em meus braços,

Gostava dela, embora cada vez que eu a beijasse sugava um pouco do que lhe dava importância.

Então encontrei um amigo e permiti que a beijasse também.

Nunca me importei com isso. Ele também a teve consigo nos braços. Conversávamos eu e meu amigo com naturalidade e ela ia, aos poucos, perdendo a sua importância.

Meu amigo foi embora, não sem antes despedir-se dela beijando-a novamente.

Ficamos só eu e ela andando por aí de braços como os casais fazem e ela ia perdendo a sua cor bronzeada,
conforme íamos conversando ela ia ficando transparente.

Sim, eu já a estava conhecendo melhor, ela ia perdendo os rótulos ficando igual as outras.

Então sentei na calçada com ela. Já cansado dela.

Era madrugada, dormimos juntos na calçada. Eu não conseguia mais solta-la.

Até que, de forma bruta, alguns amigos me juntaram na sarjeta e arrancaram-na das minhas mãos dizendo que ela era perigosa e já havia matado muitos por aí,

Eu, cego de amor, não aceitava nada do que eles me diziam, e pedia para que me devolvessem ela para que eu lhe desse pelo menos um beijo de despedida.

Foi então que alguém, mais exaltado, jogou-a com força no chão.

E foi uma queda mortal. - Assassinos são vocês! Eu gritava.

Nunca mais pude tê-la em meus braços, nem mesmo acariciar sua pele lisa e glabra.
Jogaram minha garrafa de whisky no chão.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Porto Alegre

"O que não tens em mares para que eu nade, tens em bares para que eu beba e esqueça disso"

Catarros lançados ao chão
Deslizam no pavimento molhado,
Lembrando cubos de gelo
Na textura de chicletes mascados.

Preto e cinza. Suas matizes alucinantes.
Teus odores merecem destaque,
Entre fragrâncias hipnotizantes
De cigarros, carros, pedras de Crack.

Suas balas perdidas tão certeiras
Parecem que foram miradas.
Furtos de carro, casas, carteiras
É o seu cotidiano na calada.

Malabaristas oferecem sua arte por um trocado
Brotando das vielas, feito salmonelas
Artistas de rua que vivem nela

Me sinto um desterrado nessa terra de aterros.
E me sentiria assim em qualquer lugar.

Quase esqueço de sua água tratada
Rica em coliformes fecais,
De pureza mais duvidosa
que suas pesquisas eleitorais.

Seus coletivos tão lotados e caros.
Seus hospitais tão lotados e raros.

Seus carnavais são quatro quartas feiras.
Cidade vazia, lembra o êxodo bíblico
E meu sonho com a praia de Cidreira
Foi interrompido por teu fim apocalíptico.

E um triste desfecho receio
Que um dia talvez por capricho,
Morramos todos em teu seio
Tragados numa voragem de lixo.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Necrofilia

Você é com certeza a mais bela morta que eu já vi. Seus seios ainda continuam lúcidos e o seu corpo permanece fechado para mim - hermético - e agora sem as vísceras. Tive que lidar até o fim da sua vida com o fato de você ter dado para quase todos os meus amigos, menos para mim. És de fato uma linda morta, pareces tão viva quanto Lênin, banhado de formol, descansando intacto no seu mausoléu Soviético. Olhando-te assim, tenho vontade de deitar ao teu lado abraçado esperando a porta do caixão se fechar lentamente...Mas não sou tão idiota assim.

Lembrei da primeira vez que te vi. Eu andava contra o vento forte, mas estava sob a tutela do sol. Você, junto com o vento, vinha na minha direção e os tentáculos de sua saia longa  me distraíram o suficiente para que eu tropeçasse de forma ridícula na sua frente. Ainda pude observar o seu olhar desviando-se em direção ao chão e ouvir uma risada impregnada de sarcasmo quando você já ia longe, chegava a balançar os ombros.

Parecia que a qualquer instante você acordaria e saltaria do caixão, mandando os presentes tomarem nos seus respectivos cus. Em seguida certamente os conduziria até o bar mais chinelão das redondezas para comemorarmos a sua insurreição. Finalmente todos reunidos: família, amigos, desconhecidos e o coveiro, iriam te conhecer de verdade, pois agora a pouco nenhum preconceito faria sentido e o importante era justamente que você não havia morrido.

E aí sim, acredito eu, você cairia na realidade e daria para mim.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Ontologia furada...

Skinner diz :"Você não pode impor felicidade. Você não pode em última instância, impor coisa alguma. Nós não usamos a força! Tudo que precisamos é engenharia comportamental adequada."

Eu penso: Não tenho culpa de nada: Sou aquilo que a sociedade fez de mim.

Sartre sopra: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.”

Eu penso: Apesar dar restrições impostas pelo ambiente, ainda assim posso escolher o que julgo ser melhor para mim. Não posso fazer um papel de vítima, pois tendo a razão ao meu lado posso...bem, Freud acaba de me questionar quanto à razão e me diz que muitas vezes ajo através da minha inconsciência.

Concluo: Sou aquilo que sempre quis ser, com uma parcela detestável daquilo que nunca quis ser.

sexta-feira, agosto 20, 2010

O Dono do Bar






Hoje é quinta

E eu bebo em um bar de quinta

Pela quinta vez essa semana.



Aí lembrei da primeira namorada

Que chorava por nada.

Depois da segunda

Que chorava de tão vagabunda.

Depois da terceira

Que chorava por qualquer besteira,

Igualzinho a primeira.



Agora acabo de pedir a quinta dose

De um Whisky barato

Que ainda é melhor que um conhaque de qualidade.

O que me deixa aliviado

É ver o dono do bar

Que está muito pior do que eu,

Além de ser mais velho e mais feio

Já é seu vigésimo sexto ano nesse bar.

Eu bebo aqui há pelo menos dois anos

Mas posso beber em outros lugares, embora eu não faça isso.

Nesses dois anos eu e o dono do bar tivemos somente um assunto:

Eu pergunto: - quanto.

Ele responde: - tanto.

Então eu vou embora

E ele vai recolher os resquícios da minha embriaguez

Notei que ele jamais limpou um cinzeiro

Apenas despeja os cigarros num lixo.



Voltei para casa pensando no dono do bar:

Sem um amigo, sem uma mulher, sem um motivo

E sem um rim.

Sei disso por que o bar ficou fechado por duas semanas

Devido à uma cirurgia que ele foi obrigado a fazer

Fico imaginando o que esses vinte e seis anos socado

Naquele boteco não lhes proporcionaram

Além de uma vida perdida.

Quantos não teve que carregar para casa?

Quantos não se conheceram no seu bar?

Quantas brigas?

Quantos fiados?

(alguns jamais pagos)

Quantos copos quebrados?

Quantos não teve que ouvir:

Amargurados, arrependidos,

Cansados da vida, do trabalho, da família.

Quantos clientes falecidos?

Talvez antigamente amigos.

Quantos assaltos?

Quanta paciência tem o dono do bar!

No entanto ninguém pensa nisso:

Ninguém lembra do dono do bar.

sexta-feira, julho 16, 2010

Rimar, Remar...

Rimar é como remar.

Ou você tem um destino,

Ou deixa o mar te levar.

Há também remadores perdidos

Que em seus barquinhos estão a pensar,

Contemplam o céu estrelado

E por descuido já estão além-mar.

Chegaram num tal estágio

Que só se pensa em voar

Não temem mais o naufrágio

Pois já são remadores do ar.

quinta-feira, julho 08, 2010

Noturno



Era como se eu não pudesse dizer nada, como se o silêncio invadisse minha mente e bloqueasse qualquer pensamento romântico.
Era como se eu me sentisse desonesto se falasse. Como se a minha integridade valesse muito mais que belas palavras.

Travei.

E minha criatividade foi embora num belo trem a vapor que flutuava somente sobre coisas mortas.
Vi aquele rosto angustiado que implorava, gritava para viver. Vi suas pernas finas como um taco de golfe e um soldado loiro rindo e não entendendo sua língua.
Consegui fitar  a menina desfrutando dos avanços científicos, coberta de Napalm.

Voltei.

E agora olhava aquela bela negra, sentia que me pertencia, sentia que de alguma forma ela era tudo pra mim e o passado era apenas livros velhos, meros registros. E agora o que interessava era apreciar o belo para que a verdade não me matasse. Era importantíssimo naquele momento que eu abstraísse tudo o que passara e nem pensasse em especular o devir. Porém, era necessário lembrar que ela se apaixonara por mim e não por esse idiota que ela quer me tornar. E também que ela continua tão bela quanto o dia em que a conheci. Tudo isso era verdade, tenho prova amanhã. Não sei, talvez devesse escrever para ela o que sinto, mas posso falar. Certamente que posso. Quando voltei a fitar seus olhos eles já estavam fechados. Dormira sem que pudesse saber de tudo. Fiquei acariciando sua pele macia e glabra por alguns instantes. Inutilmente, pois ela dormia feito uma egípcia chapada.

Nessa hora a insônia chega e sempre me da algumas idéias brilhantes, mas ninguém pode me ouvir, o mundo dorme nessa hora, quando o mundo acorda eu já não lembro dessas idéias, não se aplicam ao dia, fazem sentido somente a noite.
Ao dia, espero a noite.

sexta-feira, julho 02, 2010

O Pedreiro


Sim, fui talvez grosseiro quando não respondi perguntas do tipo: - será que hoje chove? Ou ou se mantive um silêncio arrogante perante comentários como: - acho que esquentei de mais a minha comida.


Talvez tenha evitado conhecer pessoas novas ao fazer isso mas, nada perdi apenas evitei. Afinal só se pode perder algo que se queira. Não me arrependo.

Sempre achei um saco o fato de ter que ser criterioso ao ouvir cada comentário de cada ser desse mundo, nunca nada é o que parece ser e isso é o motivo de toda a merda de burocracia que o estado formou e que por sua vez também não é nada do que parece ser...

Os papéis, as assinaturas toda essa coisa seria desnecessária se as pessoas fossem de confiança.

Todos são moralistas, absolutamente todos...até os drogados são: Um bêbado tem sempre argumentos contra um maconheiro, que os tem contra o cheirador, que lógicamente também tem contra o fumador de crack...

O fumador de Crack...esse tem um objetivo concreto. Os outros... estão todos perdidos. Se ele rouba sua bolsa, sua carteira. Você não pode questionar.

Ninguém pode questionar um homem com ideais.

quarta-feira, junho 16, 2010

Rap do Homem Bomba


Todo mundo no mundo deseja ter uma família

O caminho é um só mas são diversas as trilhas

Só que ninguém se pilha em se desligar da matilha

Tão nadando mas é reto numa prancha sem quilha

Numa lancha que nunca deslancha e se desmancha

Muito antes de chegar na ilha...

Uns atucanados com a saúde do filho, da filha

Outros preocupados com a aparência da mobília

Um que da risada mais de cem que se humilham

E quando acaba a paciência é que o trem descarrila

Então desviam mas não deixam de cair na armadilha

O indicador que dispara e o polegar que engatilha

Eu vejo mais do que tristeza no olhar que não brilha

Eu vejo um homem bomba se explodindo em Brasília

A base para enquanto nosso maestro dedilha

E as coisas vão mudar desde a queda da bastilha

Populares enforcados, reis guilhotinados

Infiéis foram queimados, em fogueiras por besteiras

Que antes eram pecado. Esquecidos no passado...

Saíram os reis e seu governo absolutista

Liberais detonam práticas mercantilistas

Revoluções burguesas de ideais iluministas

Colônias exploradas, tratadas como conquistas

Quem dera, Cabral nunca gritasse terra à vista

Quem dera, Cabral nunca gritasse terra à vista

Revoluções de esquerda de idéias marxistas

Estado totalitário fuzila oposicionistas

Alemanha nazista, Itália fascista

Políticas de estado de ambições imperialistas

Muro de Berlim cai nos pés de ativistas

Gorbachev anuncia o fim do sonho socialista

Mundo consumista faz o último gol

Maior Mac Donald´s é aberto em Moscou

Bakunin avisou, Bakunin avisou.

terça-feira, junho 08, 2010

Cigarro


Baganas amarelas tão belas,
Pousando suaves no chão.
A leveza sutil do filtro,
Seguida do odor de alcatrão.

Sois como raios urbanos,
Vagalumes artificiais.
Como projéteis traçantes,
Flamejantes e fatais

Ah, meu amigo cigarro,
Querido causador de escarros
E abstinência de nicotina.

Quando estou a fumar,
Por vezes me sinto afiar
Minha própria guilhotina.

quarta-feira, maio 26, 2010

Este é o terceiro álbum do grupo de rap A Tribe Called Quest lançado em 1993 pela Jive Records deliciem-se...
Midnight Marauders
http://www.4shared.com/file/162915985/8bd61bf/A_tribe_Called_Quest_-_Midnigh.html

O Monstro V


O monstro V


Ele precisa cagar urgentemente...

Segurou ao máximo pois não há papel higiênico...vai ter que tomar banho, seu chuveiro está queimado, faz frio e ele está bêbado.

Ele entra no seu Box quebrado e coberto de limo. Vê suas cuecas penduradas feito porcos num frigorífico e pensa no sexo que faz de vez em quando que é a única coisa que o deixa um pouco humano.

Ele sai do banho que estava sendo adiado mais que a cagada e vai à sala disposto a transar com sua mulher.

Ele olha para sua mulher feia e gorda que nem de longe lembra a mexicana gostosa que fora.

Recorda que estavam felizes quando chegaram na cidade cheios de planos. Nem faz tanto tempo. Sua mulher engordara 20 quilos e isso não o animava nem um pouco.

Ele gostava das covinhas nas costas dela, que sumiram tapados por uma manta espessa de gordura causada pela maldita conta na padaria.

Agora ele nem lembra que estava disposto a transar.

Ele não sabe porquê estão juntos. ambos tem plena consciência da própria decadência, e embora pareça improvável é o que os aproxima.

Ele odeia quando ela o compara com seus ex-namorados, e agora ela está fazendo isso, mas interrompe a frase dizendo que não vai fazer comparações. Ele explica para ela que se não vai fazer comparações, não pode ficar dizendo que não vai fazer comparações, senão já estará fazendo comparações.

Eles são necessários um ao outro.

Assim como um homem gastar mais do que tem é necessário para o lucro dos bancos.

Assim como é necessário a um pobre saber fazer bolinhos de arroz.

quinta-feira, maio 06, 2010

O Monstro IV



Ele estava mas não estava
Ele ia como quem não queria
Ele ficava por preguiça de voltar
E quando voltava ficava semanas sem aparecer

Ninguém perguntava por ele
Muitos não sabiam seu nome
Era um amigo anônimo
Ele estava na busca de algo que não sabia
O que não fazia o menor sentido

Mesmo que tentasse explicar o que estava querendo, vivia num mundo objetivo demais para entendê-lo. Ele próprio estava inseguro quanto a seus planos, se é que realmente os tinha, de qualquer forma ninguém lhe perguntava nada.

De tempos em tempos ele ressuscitava de seu sono acordado
E todos voltavam a saber seu nome
E então ele não se afastava mais por semanas como antes
E todos perguntavam por ele na sua rara ausência.
E na sua presença lhe faziam perguntas, interessados por suas idéias.
E muitas coisas não faziam sentido sem ele.
E todos passavam a saber que a sua solidão era tão intensa quanto a sua presença.

Tudo é passageiro
Tudo vai e volta
Tudo morre
Nem sempre pra sempre.

sexta-feira, abril 30, 2010

O Intermediário

“Na luta entre você e o mundo, aposte no mundo”
                           Franz Kafka
           


Tenho certeza que existe um intermediário entre eu e o mundo. E um outro entre eu e eu-mesmo.

O intermediário entre eu e o mundo representa aquilo que eu deveria ser, enquanto o intermediário entre eu e eu-mesmo é o que eu realmente sou. O primeiro é uma vozinha que só eu escuto e que fala somente comigo. O segundo é o que fala com as pessoas e tem que seguir algumas regras dependendo do interlocutor. É a voz que eu pronuncio.

As vezes tenho vontade de arrancar de mim o intermediário entre eu e eu-mesmo (pois ele me fustiga, me aponta o dedo, me faz passar mal) e colocar em seu lugar o intermediário entre eu e o mundo, que trata bem a todos. Portanto não teria motivos para fazer o contrário comigo.

As vezes ainda, tenho a impressão de que o intermediário entre eu o mundo seja apenas eu mesmo e o intermediário entre eu e eu-mesmo seja o próprio mundo.

Assim, já que o suposto intermediário entre eu e o mundo é aquilo que eu deveria ser, talvez realmente eu seja aquilo que eu deveria ser. Ao passo que o intermediário entre eu e eu-mesmo não é o que eu realmente sou , é só o mundo ditando suas regras e me enchendo o saco.

Desse modo concluo que, se eu puder escolher o que seria este ente indesejável: prefiro que ele seja o intermediário entre eu e eu-mesmo ao invés do mundo em si. Pois acredito que é muito mais fácil expulsar algo de dentro de você, do que o mundo do próprio mundo.

Kaue Catalfamo

01/12/2009

quarta-feira, abril 28, 2010

Raika

Era noite e eu passeava com minha cadela Raika. No fim do passeio, passamos por alguns mendigos que preparavam-se para dormir em uma parte coberta do páteo de um bar. Ela comprimentou a todos abanando o rabo. Tratou aqueles mendigos como trataria alguém que tem onde morar, um negro, um branco, um gay...para Raika não importa.

Raika é menos praconceituosa que qualquer ser humano desse mundo. E nunca pensou nisso.

segunda-feira, abril 26, 2010

O Monstro II

Ele está cansado
Não gosta do seu trabalho
Não gosta de trabalhar
Muito embora a concentração que seu trabalho exige, lhe poupa de tantos pensamentos angustiantes que a liberdade de pensamento proporciona a quem pensa.
A quem tem tempo para pensar.
Então ele decide ir para rua fumar um cigarro
Senta-se em um degrau e encosta numa cortina de ferro extremamente suja, devido aos anos exposta a um ambiente urbano e pútrido sem nunca ter sido lavada. Seu patrão é um relaxado. Não cuida de seus empregados tampouco do seu patrimônio, e acha que fazer os seus empregados rezarem o pai nosso depois do almoço vai criar algum espírito de solidariedade entre pessoas que se odeiam e estão no mesmo espaço apenas porque precisam do dinheiro. Além disso, acredita que com o apelo das orações vai amenizar ambiente terrivelmente pesado que ele criou atrasando os salários em mais de duas semanas.

Então, fumando, vê um senhor sentado na rua a poucos metros dele. O velho está completamente bêbado, sua aparência indica que ele vem bebendo há muitos dias, e suas ressacas o deixam cada vez mais mal humorado.
Ele começa a observar o velho que é a face da fossa, e se surpreende quando uma mulher mais nova se aproxima com sua filha a fim de carrega-lo para casa,
Ele constata que a mulher é mulher do velho e que a menina é filha do velho.
A menina dizia - “vamos pai, vamos para casa”.
Enfim, o velho levanta-se sem dizer nada
Caminha devagar com suas pernas finas e infestadas de varizes
Está doente. Provavelmente não sabe disso
A menina fala bastante com seu velho pai, uma menina de uns seis anos
O velho permanece quieto, com os olhos caídos e a boca torta
A menina fala muito, faz perguntas, ela quer ouvir o seu pai. então o velho vira-se violentamente para a menina e grita: - “Já chega!”
Então a menina se calou, a mulher se calou, e o velho continuou calado.
A família entrou em casa.
Ele assistiu toda essa cena com seu cigarro na bagana e também continuou calado, ficou triste e preocupado e pensou que parar de beber seria bom.
Depois pensou em não ter filhos.

quinta-feira, abril 22, 2010

Poesia da música Molotov (Doze Doses)

Salvador Allende No verdadeiro 11 de setembro (1973), dia do golpe de Pinochet

Estou a rasgar a vísceras da cidade
A juntar migalhas míseras de amizade
A cantar canções soníferas da antiguidade
A trabalhar em jornadas sudoríparas contra a vontade
A assistir películas ridículas para passar as tardes
De domingos típicos e santos feriados
A olhar propagandas políticas para achar engraçado
Ouvindo as palavras ofídicas desses desgraçados
Que se associaram aos militares do passado
E hoje dão medalhas honoríficas aos soldados
O AI-5 acabou mas continua o conchavo
Me digam qual general que foi condenado
A informação é restrita por isso ninguém aprende
As atrocidades na América foram muito além de Allende
Beneficiados pela lei até hoje seguem impunes
Os documentos da época lacrados até hoje os tornam imunes
Por isso não duvide que andando na rua, ao cruzar algum senhor
Você esteja a poucos metros de um torturador

A ditadura acabou?
Não pra quem foi sequestrado
Exilado!
Torturado!
As marcas do corpo ficam opacas as da mente martelam pesado
Pergunte aos familiares dos milhares de assassinados
O que fariam com os militares que disparavam em nome do estado
Os torturados, mortos e feridos...foram esquecidos
Os senhores torturadores jamais serão olvidados
Devido ao seu heroísmo, foram homenageados
Em tempos democráticos lhes reservaram um privilégio
Viraram nome de bairro
Viraram nome de prédio
Viraram nome de rua
Viraram nome de colégio
E como se não bastassem as torturas da antigas milícias
Deixaram suas práticas de herança à nossa atual polícia
Agora Democratização. Vingança? Punição? Não! Anistia!
E você continua pagando pelas suas gordas aposentadorias.

Kaue Catalfamo

segunda-feira, abril 19, 2010

O Monstro I


O monstro.

Após cinco dias ele saiu de casa.
Ficara em casa porque não gostava da rua,
Porém naquele momento gostava menos ainda da casa
(se é que alguém podia chamar aquilo de casa).
Então virou a esquina de sua rua e não encontrou ninguém que conhecesse,
Não que ele quisesse ver alguém que conhecesse,
Já que nem sabia se ainda conhecia alguém
E tinha um certo receio de não conseguir interagir,
Ainda assim não tinha certeza se não sabia mais ou não queria interagir.
Como interlocutor, há tempos que era apenas um ouvinte,
Quando muito um comentarista, nunca um narrador.
Seu magnetismo era o de um imã.
De um imã ao contrário de um imã.
Inspirava lento e expirava violento.
Seu desprezo pelo mundo tinha completa reciprocidade do mundo para com ele
E era mais ou menos isso que ele pensava, enquanto esperava o esverdear do semáforo.
Foi nesse momento que ele fitou um casal feliz passeando com seu cachorro, um belo casal ideal. Mais adiante viu uma bela criança dentro de um belo carro ao lado de um pai ideal, que fechava o vidro do carro as pressas, pois não queria as balas de goma do menino de rua que estava vendendo no semáforo. Um menino da mesma idade do seu filho, mas sem um pai ideal e numa nação injusta. Para o pai ideal, que estava ao volante, ele não era um menino ideal, ao menos não o bastante para ser ouvido. Percebeu claramente a metamorfose que se da com as balas de goma no sinal vermelho que viram balas de revólver no sinal vermelho. Junto com o menino que quer ser ouvido no sinal vermelho. Que vira um adulto que não ouve ninguém, e se faz ser ouvido a força no sinal vermelho.
Após essa rápida cena cotidiana, ele respirou fundo e sentiu uma vontade imediata de voltar para casa. Uma incontrolável fobia social.
Todavia passou na padaria para comprar um cigarro e uma cerveja, ele precisava disso mesmo que beber e fumar há tempos não fosse nenhum prazer. Era um vício, e um vício não é um prazer mas se você não o sacia ele te leva ao desespero, é um impulso de morte necessário.
Comprou um cigarro... não o seu cigarro pois este estava em falta.
Comprou uma cerveja... não era a sua cerveja e sim uma mais barata,
Já que cigarro que teve que comprar era mais caro.
Sendo assim pelo mesmo valor que ele gastaria para comprar o que queria,
Ele comprou o que não queria.
Ele estava apressado, pois o dono da padaria, um português desses com bigode grande, estava feliz com alguma coisa e não parava de falar e ele não queria ouvir.
Como um interlocutor, naquele momento, ele não era sequer um ouvinte. Pegou suas coisas e saiu correndo.
Ele corria de tudo. Corria da vida, corria da morte, tinha medo da morte, tinha tédio da vida. E se existe uma maneira de anular ambas, era o que ele vinha fazendo, magistralmente.
*****
Então ele acordou e viu que tudo fora um sonho e já era o sexto dia que estava em casa. Então, num momento inédito, ele teve um pensamento positivo. Chegou à conclusão que o seu sonho teve alguma utilidade por ter lhe dado motivos suficientes para continuar em casa.
Foi aí que, ainda deitado, olhou para o seu lado e viu no chão uma carteira de cigarro. O seu cigarro.
Caminhou lentamente até a sua geladeira, colocou sua mão na porta e a olhou como quem olha para uma bela mulher com um olhar de esperança, ao abri-la teve uma grande surpresa, lá estava a sua cerveja que suava de tão gelada com uma volúpia indescritível própria das cervejas. Abriu um meio sorriso silencioso expirando pelo nariz.
Era mesmo melhor ficar em casa.

Autor: Kaue Catalfamo
Composta em: 2008/09